29/06/2015

Do referendo grego

À intransigência do poder austeritário o governo Grego respondeu com a força da democracia, e mostra à Europa, na minha opinião, que é na Grécia que reside o verdadeiro espírito europeu: o da democracia e da justiça social.


Os líderes europeus querem fazer sempre a mesma coisa mas esperaram resultados diferentes. Continuam a pregar a mesma missa que condenou 25% dos gregos ao desemprego, entre os quais metade da população jovem, que condenou o país a 6 anos de recessão, a uma queda do PIB de 25% e a uma dívida estimada de 180% do PIB. E querem-no, a meu ver, por dois motivos. O primeiro é pela cegueira ideológica, pelo credo no fatalismo da austeridade, porque devem acreditar (isto se não tiverem outro interesses não revelados...) que é a diminuir a economia e a empobrecer os povos que se pagam dívidas. Veja-se que mesmo reduzindo brutalmente a despesa e carregando o povo com enormes aumentos de impostos, o défice grego não diminuiu e como tal a dívida continuou a aumentar, matando ainda mais, como se isso fosse possível, uma economia já morta, como notou Krugman. A austeridade falhou, mas não como falha uma bola que vai ao poste. Falhou como falha uma que sai do estádio.

O segundo motivo é por uma questão de sobrevivência política. É que deixar o orgulho de lado e negociar com um governo que foi democraticamente eleito para impor outra coisa que não austeridade comporta mais do que espírito de cooperação: é uma mea culpa e exige uma reavaliação completa a toda a acção da Europa na gestão da crise, numa acção de responsabilização democrática que a Europa nem está habituada nem deseja. É por isso que é preciso punir a Grécia e os gregos, e que, com uma proposta de pegar-ou-largar, a Europa o que queria não era o entendimento mas sim afastar o SYRIZA do governo.

A grande incógnita agora é o referendo. Se não fosse já difícil pela complexidade técnica da questão, a dificuldade aumenta pela pressão a que a Grécia tem vindo a ser sujeita e que vai aumentar exponencialmente. A pressão mediática a favor do "sim" vai ser fortíssima. Vão chamar o medo a sentar-se à mesa da eleição e isso vai decididamente complicar a acção do povo grego. Pode ser um referendo que pode ditar, ou não, o fim do governo Syriza: uma vitória do "sim" põe em causa a legitimidade democrática de um Governo que foi eleito para combater a austeridade, e é por isso que este referendo é um acto de coragem. E é assim que se chega a uma conclusão absolutamente dramática, fruto das vicissitudes da ditadura do poder austeritário e dos tecnocratas: quando optar pela democracia é um acto de coragem algo está tremendamente errado.


21/06/2015

Da intervenção americana na luta contra o ISIS

O que é que o Vietname, a Síria e o Iraque têm em comum? São longe, falam uma língua difícil e são um óptimo sítio para os Estados Unidos perderem soldados sem sentido.


Numa lógica questionável, o terrorismo é hoje, no entendimento americano, uma ameaça relativamente semelhante ao que era o comunismo à 50 anos: difusa, amaneirada, uma excelente justificação para um aparelho de segurança enorme e para a restrição de liberdades civis, para além de ser um excelente bode expiatório. Sem querer desdramatizar a situação e a ameaça que efectivamente é, quero sim estabelecer paralelos para justificar a minha opinião: um maior envolvimento americano na região não é desejável.

A máxima, muito útil para educar crianças, de que quem parte velho compra novo, ou por outras palavras, quem parte arranja, não é a meu ver sempre útil na política. É que se não desculpo os Estados Unidos pela contribuição para ajudar a criar aquilo que é hoje a ameaça do ISIS, acredito que um envolvimento maior do que aquele que agora tem só será prejudicial à região, ao Ocidente e aos Estados Unidos.

Vejo dois problemas principais, em dois períodos distintos: no imediato e no futuro. No imediato, uma intervenção americana maior do que aconselhamento militar e bombardeamentos aéreos, nomeadamente com boots on the ground, seria uma situação favorável ao ISIS: conseguiriam usar ainda mais a narrativa de que os Estados Unidos lutam contra o Islão, o que poderia garantir mais apoio ao ISIS, e mostrar que eles são a grande vanguarda armada na luta contra o Ocidente em nome do Islão. A situação não é desejável até porque a zona é um cemitério de exércitos. Se os Estados Unidos têm conhecimento disso, que o digam também os Russos e os Ingleses.

No futuro, haveria outro problema. É que, apesar de tudo, os Estados Unidos demonstraram já, de uma maneira ou de outra, saber derrotar terroristas. A grande questão é que não souberam deixar algo melhor que os regimes autoritários que a região tem tido. A democracia não se exporta como se faz com a Coca-Cola.


Tudo isto para dizer que na minha visão os Estados Unidos têm que aprender com os seus erros e moderarem-se na intervenção e na gestão que fazem da situação. Mais do que derrotar o ISIS, é preciso pacificar a região e estabilizar os Estados, para impedir novas situações destas. Mas essa é uma questão que, para mim, passa mais pelo eixo Irão/Arábia Saudita do que por Washington, e a desenvolver noutras andanças.

15/06/2015

Do sonho americano

Na edição desta semana da revista TIME vem uma pequena coluna que, em três notícias separadas e cada uma com um parágrafo, desmonta o "sonho americano" e prova que aquilo está mais perto do terceiro-mundismo do que do mundo civilizado: primeiro, a notícia da legalização do porte de arma, ainda que não visível, em escolas do Texas; segundo, a notícia de um relatório da NAACP que mostra que negros e hispânicos recebem apenas 75% do salário de um branco em funções iguais; e terceiro, a notícia da subida previsível do preço dos tratamentos do cancro da pele, face aos diagnósticos, com as óbvias consequências para quem não tem seguro de saúde. A frase do Carlin faz cada vez mais sentido. O sonho americano é sonho porque é mesmo preciso estar a dormir para acreditar nele.