30/10/2015

Da democracia, II

Já vi socialistas estúpidos. Já vi sociais democratas estúpidos. Já vi comunistas estúpidos. Já vi centristas estúpidos. Tendo que admitir que se alguns não são democratas - quando se trata de falar disso mesmo - pelo menos a estupidez o é.

02/10/2015

Da democracia, I

A democracia muitas vezes dá cabo de uma das principais regras da sensatez: aquela que diz que não se devem esperar resultados diferentes quando se faz sempre a mesma coisa. E, a julgar pelas sondagens, os portugueses devem achar que ainda não levaram no lombo o suficiente para perceber isso.

09/07/2015

Do sonho europeu

Quando os líderes de alguns países da Europa decidiram unir-se sem perguntar nada a ninguém, criando uma união supranacional que supervisionaria a produção de carvão e de aço, tinham um objectivo claro: o desejo de paz depois de duas guerras pírricas. A ideia era integrar tanto os países, fazê-los tão dependentes uns dos outros, que eles não mais voltariam a andar em guerra. A crescente complexidade das suas relações moldou a essa união, estreitando-a em relação à convergência entre os países em domínios económicos e geopolíticos, e alargando-a na concepção de um modelo democrático e social.

É neste último ponto que reside, a meu ver, o elo de ligação entre a União criada por esses líderes políticos e os povos europeus. Só assim se compreende o facto de cidadãos de diferentes origens, ainda que em parte com uma história comum, apoiarem um sistema complexo e supranacional por eles não criado: o sonho popular de prosperidade dentro do welfare state.

A ideia da elite não morreu ainda, existindo a meu ver um esforço, ainda que meramente formal, de alargar a União em diversos níveis, mas o sonho popular está seriamente em causa. E esse é que é hoje o grande problema da União Europeia, e é que um problema que parecendo económico é na verdade político.

A raiz do problema da Europa é económico-financeira, e tem que ser absolutamente notável para se ver personalidades tão dispares como Margaret Thatcher e Carlos Carvalhas de acordo: o Euro deu cabo disto tudo. Foi mal preparado, não conseguindo acomodar as grandes potências económicas, como a Alemanha, e países condenados a sentarem-se de sapatos rotos e casaco remendado à mesa dos ricos, como Portugal e Grécia, como disse o saudoso e brilhante Gabriel García Márquez. Foi um erro de arquitectura tremendo, com gravíssimas implicações.

A crise meteu o Euro e a Europa à prova e ambos falharam redondamente. É aqui que morre o sonho popular do welfare state, e não morre com a existência da crise: morre com a resposta à crise. Se a União Europeia já tinha um défice democrático, a onda de tecnocracias que viram na austeridade  a melhor solução para a crise, porque era a única solução para a crise, reduziu ainda mais a tomada de decisões democráticas na Europa. E pior: se os povos já estavam esganados políticamente, mais o ficaram económicamente. Uma vaga de desmantelamento dos serviços públicos essenciais ao Estado, de privatizações estilo Feira da Ladra, de liberalizações do mercado de trabalho e de libertinagem autêntica do sistema bancário aliadas a um fardo fiscal desumano sobre os mesmos de sempre deixaram os tecidos sociais destruídos e as economias da Europa de rastos.


A Europa não democrática que impõe uma e só uma solução que finaliza numa e só numa conclusão, o agravamento da situação económica dos povos, permitiu, assim, o aparecimento e a penetração de movimentos políticos alternativos que, em certos casos, colocam em causa a própria União Europeia. Da Espanha à Grécia, da Itália à Dinamarca, do Reino Unido à França, um pouco por toda a Europa, surgiram movimentos políticos com uma força notável que se aproveitaram das contradições da União Europeia e do populismo, que nunca sai de moda, para ganharem um lugar de destaque nas cenas políticas dos respectivos países.


Há casos, a meu ver, menos preocupantes que outros. Casos de partidos pró-europeus que defendem, no entanto, um modelo político e económico diferente para a Europa. Mas há casos que, diferentemente, são assumidamente anti-europeus, nacionalistas e populistas. É com estes que a Europa tem que se preocupar, porque põe em causa a sua própria existência.

Enquanto a Europa continuar a pregar a mesma missa que condena milhões e milhões à pobreza e entrega milhões e milhões às elites, de uma maneira não democrática, vai estar a cavar a sua sepultura. Vai estar a destruir os tecidos sociais e a dar um excelente bode expiatório a partidos populistas e nacionalistas para subirem nas intenções de voto, que podem aproveitar, ainda, a má gestão Europeia na questão dos refugiados. É por isso que digo que, apesar da raiz do problema ser económico-financeira, o problema é um problema político, e é por isso que acho que situações como a Grécia, por exemplo, não são doença mas sim sintoma.


São tempos difíceis para isto mas eu Europeu me confesso. Acredito numa Europa baseada na democracia, na igualdade e na solidariedade, com uma moeda forte a unir países fortes e solidários. O aparente medo imediato dos nacionalismos quase que desapareceu das mentes dos políticos e da comunicação social, mais interessada na novela Grécia vs. Eurogrupo, mas é uma ameaça que não desapareceu. Se a Europa continuar pelo caminho da austeridade e do afastamento político dos cidadãos o sonho europeu pode desaparecer definitivamente e mergulhar a Europa, de novo, num terrível pesadelo.

29/06/2015

Do referendo grego

À intransigência do poder austeritário o governo Grego respondeu com a força da democracia, e mostra à Europa, na minha opinião, que é na Grécia que reside o verdadeiro espírito europeu: o da democracia e da justiça social.


Os líderes europeus querem fazer sempre a mesma coisa mas esperaram resultados diferentes. Continuam a pregar a mesma missa que condenou 25% dos gregos ao desemprego, entre os quais metade da população jovem, que condenou o país a 6 anos de recessão, a uma queda do PIB de 25% e a uma dívida estimada de 180% do PIB. E querem-no, a meu ver, por dois motivos. O primeiro é pela cegueira ideológica, pelo credo no fatalismo da austeridade, porque devem acreditar (isto se não tiverem outro interesses não revelados...) que é a diminuir a economia e a empobrecer os povos que se pagam dívidas. Veja-se que mesmo reduzindo brutalmente a despesa e carregando o povo com enormes aumentos de impostos, o défice grego não diminuiu e como tal a dívida continuou a aumentar, matando ainda mais, como se isso fosse possível, uma economia já morta, como notou Krugman. A austeridade falhou, mas não como falha uma bola que vai ao poste. Falhou como falha uma que sai do estádio.

O segundo motivo é por uma questão de sobrevivência política. É que deixar o orgulho de lado e negociar com um governo que foi democraticamente eleito para impor outra coisa que não austeridade comporta mais do que espírito de cooperação: é uma mea culpa e exige uma reavaliação completa a toda a acção da Europa na gestão da crise, numa acção de responsabilização democrática que a Europa nem está habituada nem deseja. É por isso que é preciso punir a Grécia e os gregos, e que, com uma proposta de pegar-ou-largar, a Europa o que queria não era o entendimento mas sim afastar o SYRIZA do governo.

A grande incógnita agora é o referendo. Se não fosse já difícil pela complexidade técnica da questão, a dificuldade aumenta pela pressão a que a Grécia tem vindo a ser sujeita e que vai aumentar exponencialmente. A pressão mediática a favor do "sim" vai ser fortíssima. Vão chamar o medo a sentar-se à mesa da eleição e isso vai decididamente complicar a acção do povo grego. Pode ser um referendo que pode ditar, ou não, o fim do governo Syriza: uma vitória do "sim" põe em causa a legitimidade democrática de um Governo que foi eleito para combater a austeridade, e é por isso que este referendo é um acto de coragem. E é assim que se chega a uma conclusão absolutamente dramática, fruto das vicissitudes da ditadura do poder austeritário e dos tecnocratas: quando optar pela democracia é um acto de coragem algo está tremendamente errado.


21/06/2015

Da intervenção americana na luta contra o ISIS

O que é que o Vietname, a Síria e o Iraque têm em comum? São longe, falam uma língua difícil e são um óptimo sítio para os Estados Unidos perderem soldados sem sentido.


Numa lógica questionável, o terrorismo é hoje, no entendimento americano, uma ameaça relativamente semelhante ao que era o comunismo à 50 anos: difusa, amaneirada, uma excelente justificação para um aparelho de segurança enorme e para a restrição de liberdades civis, para além de ser um excelente bode expiatório. Sem querer desdramatizar a situação e a ameaça que efectivamente é, quero sim estabelecer paralelos para justificar a minha opinião: um maior envolvimento americano na região não é desejável.

A máxima, muito útil para educar crianças, de que quem parte velho compra novo, ou por outras palavras, quem parte arranja, não é a meu ver sempre útil na política. É que se não desculpo os Estados Unidos pela contribuição para ajudar a criar aquilo que é hoje a ameaça do ISIS, acredito que um envolvimento maior do que aquele que agora tem só será prejudicial à região, ao Ocidente e aos Estados Unidos.

Vejo dois problemas principais, em dois períodos distintos: no imediato e no futuro. No imediato, uma intervenção americana maior do que aconselhamento militar e bombardeamentos aéreos, nomeadamente com boots on the ground, seria uma situação favorável ao ISIS: conseguiriam usar ainda mais a narrativa de que os Estados Unidos lutam contra o Islão, o que poderia garantir mais apoio ao ISIS, e mostrar que eles são a grande vanguarda armada na luta contra o Ocidente em nome do Islão. A situação não é desejável até porque a zona é um cemitério de exércitos. Se os Estados Unidos têm conhecimento disso, que o digam também os Russos e os Ingleses.

No futuro, haveria outro problema. É que, apesar de tudo, os Estados Unidos demonstraram já, de uma maneira ou de outra, saber derrotar terroristas. A grande questão é que não souberam deixar algo melhor que os regimes autoritários que a região tem tido. A democracia não se exporta como se faz com a Coca-Cola.


Tudo isto para dizer que na minha visão os Estados Unidos têm que aprender com os seus erros e moderarem-se na intervenção e na gestão que fazem da situação. Mais do que derrotar o ISIS, é preciso pacificar a região e estabilizar os Estados, para impedir novas situações destas. Mas essa é uma questão que, para mim, passa mais pelo eixo Irão/Arábia Saudita do que por Washington, e a desenvolver noutras andanças.

15/06/2015

Do sonho americano

Na edição desta semana da revista TIME vem uma pequena coluna que, em três notícias separadas e cada uma com um parágrafo, desmonta o "sonho americano" e prova que aquilo está mais perto do terceiro-mundismo do que do mundo civilizado: primeiro, a notícia da legalização do porte de arma, ainda que não visível, em escolas do Texas; segundo, a notícia de um relatório da NAACP que mostra que negros e hispânicos recebem apenas 75% do salário de um branco em funções iguais; e terceiro, a notícia da subida previsível do preço dos tratamentos do cancro da pele, face aos diagnósticos, com as óbvias consequências para quem não tem seguro de saúde. A frase do Carlin faz cada vez mais sentido. O sonho americano é sonho porque é mesmo preciso estar a dormir para acreditar nele.

01/04/2015

Da guerra

Geralmente celebra-se o fim das guerras. Hoje faz anos que terminou a Guerra Civil Espanhola e não há motivo para celebrar.

Eduardo Galeano conta a história de José Manuel Castanón, poeta que lutou por Franco, pela Falange, pelo Fascismo. Conta que, após a guerra, pegou num livro proibido de César Vallejo, poeta dos vencidos. Conta que após o ler renunciou ao exército, foi preso, e depois foi para o exílio. Vira que lutara e vencera pelo lado errado.

Esta é uma pequena estória para lembrar um capítulo negro na história da humanidade e do século XX. Onde a virtude e a justiça foram derrotadas no campo de batalha pela opressão e pelo ódio. Onde um povo livre foi subjugado. Onde poucos lutaram pela liberdade de todos.

Mas é desses poucos que se faz a história e que nos devemos lembrar, e são esses poucos que lutam pela liberdade de todos que devemos, hoje e sempre, homenagear. Porque enquanto o último homem livre não cair a liberdade também não cairá.

03/03/2015

Da lei

A lei contém o homem, sem o transformar. As paixões transformam o homem, sem o conter. A estupidez, por sua vez, não tem limitações de metafísica. Existe e pronto.

26/02/2015

De Portugal

Tirando 3 ou 4 guerras-civis, 4 ou 5 revoluções, 4 golpes de estado, 1 regicídio, 1 presidente assassinado, 1 primeiro-ministro assassinado, uns 50 governos derrubados, um sem número de ministros, deputados e figuras influentes assassinadas, um sem número de atentados à bomba, raptos políticos, assassínios de polícias e militares, tentativas de assassinato, de revoluções, de golpes de estado, filhos a bater em mães, irmãos à porrada, milhentas greves e manifestações, polícias a bater em polícias, incontáveis mortes por motivos políticos, muito sangue derramado, conspirações e  uma guerra colonial, o povo até que é sereno.