02/12/2020

Do Covid

O Majestic no Porto não fechou por causa do Covid. Fechou porque a bica custa 5 euros.

O restaurante do Ljubomir não fechou por causa do Covid. Fechou porque duas pessoas deixam lá no mínimo uns 100 euros.

Estes sítios precisam de apoio porque têm trabalhadores a precisar de manter os seus postos de trabalho, mas é preciso por as coisas em perspectiva. Todos os estabelecimentos comerciais estão a passar por dificuldades, mas se calhar os que estão pior são aqueles que se viraram apenas para o turismo e nunca quiseram que o português comum lá metesse os pés.

17/11/2020

Do Fascismo (II)

Já aqui tinha escrito, na altura do Avante, sobre o combate que a direita preferia fazer à esquerda, nomeadamente o BE e principalmente o PCP, em detrimento de combater forças políticas não-democráticas. Na altura, ficou uma coisa por dizer, porque ainda não se tinha materializado e eu não esperava que viesse a acontecer tão cedo.

Aconteceu nos Açores. Aquelas boçalidades que o Ventura diz são para ser combatidas, que disso não haja dúvidas, mas o facto dessas provocações e polémicas serem mediatizadas até à exaustão tira importância às questões sociais e económicas do seu programa. Por exemplo, quando o Ventura fala na redução de impostos só têm em vista uma coisa: reduzir a receita, para reduzir a despesa. Isso traz o óbvio desmantelamento do pouco Estado Social que já temos e que, vê-se agora, nos é tão necessário. E se calhar é por causa disso que o PSD e o CDS ficam tão calados.

Acresce um factor, essencial no caso dos Açores: o arquipélago tem a taxa mais elevada de risco de pobreza ou exclusão social do país, que deve andar acima de 1/3 da população açoriana. Deixem-nos à solta com a questão dos subsídios (que foi um dos pontos referidos do acordo) e depois voltem lá para apanhar os cacos.

04/09/2020

Do Fascismo

Uma pequena nota sobre o Avante, a celebração do 25 de Abril, o 1º de Maio...

A direita, com um apoio muito relevante de alguns meios de comunicação social, está mais preocupada em combater o PCP do que outras forças fascizantes, racistas e xenófobas. Há tempos, inclusive, o Rui Rio - na sua aflitiva campanha para se manter relevante - admitiu que em determinadas circunstâncias o diálogo com o partido do Ventura era possível.
Aquilo que o partido do Ventura defende são ideias que, infelizmente, sempre por cá andaram. É grave quando algum boçal se aproveita disso, quando dá eco às tendências mais nojentas da nossa sociedade, alicerçado em notícias falsas, na subversão da realidade, e num exército de perfis falsos a postar estas tretas no Facebook para deleite dos seus discípulos idiotas, que partilham enquanto estão na sanita a dar banho ao Ventura.
É grave e perigoso. Tão perigoso como as forças ditas moderadas não combaterem estas ideias ou, pior, as normalizarem. Os exemplos estão na história. E também está na história que socialistas e comunistas lutaram pela democracia e pela liberdade, e um facho nunca o fez.

15/03/2020

Da saúde

Portugal sofre um pouco do síndrome da ambulância atrasada. Vamos cheios de boas intenções, mas tarde. Não conseguimos ter um pensamento de prospectiva. Precisamos que eventos despoletem o debate, a preocupação, a percepção que afinal precisamos de investir aqui ou ali.

O caso mais recente é o do Serviço Nacional de Saúde. Caralho, andaram anos e anos a tratar do seu desmantelamento. Houve uma estratégia: o desinvestimento desculpado pelos défices e pela dívida, o aumento das taxas moderadoras, o encerramento de serviços e de postos, a desvalorização do seu pessoal. Entre outras milhentas coisas que não vale a pena aqui referir porque a vossa quarentena terá certamente mais que fazer.

O objectivo? Torná-lo ineficiente, com falhas, para puderem entregar a saúde a grupos económicos já que o Estado, coitadinho, não dá conta dele. Privatizar.

É claro que depois dá merda. Daqui a pouco, se o momentum não se perdeu de ontem, vai tudo para a varanda num gesto patriótico cantar o hino em apoio aos enfermeiros e aos médicos. [Nota: num grupo do bairro de Alvalade, no Facebook, alguém sugeriu que cantassem a Grândola, mas depois muitos disseram que isso era demasiado comunista. Fachos.]

Isso é bonito. É um gesto bonito para quem merece. E se é verdade que esta altura serve só e apenas para cuidar de quem precisa e para todos nos unirmos contra um vírus lixado, não é menos verdade que após isto um período de reflexão terá que existir.

Esta é uma questão primordial. Se queremos que isto deixe de ser um sítio - ainda por cima mal frequentado, como dizia o Almada - e passe a ser um país que cuida dos seus, o SNS (e a educação, já agora) tem que ser uma prioridade geracional.

02/02/2020

Do sentido da vida

Há uma tribo andina que diz que quando nós temos muitas dúvidas significa que os nossos antepassados também as tiveram e nunca as resolveram.

Não é que acredite, mas conheço o meu pai e conheço-me. Somos homens cheios de dúvidas. Assim o postulado andino faz sentido porque imagino que, entre a dura vida do campo e a nobre arte de fazer e criar filhos (foram 11), o meu avô paterno não deve ter tido tempo para responder a todas as perguntas que a sua existência lhe colocou.

Assim, herdámos uma casita na aldeia, uns terrenos bons para não se fazer nada deles, e uma porradona de questões e dúvidas existenciais, comichões intelectuais, perguntas que nem sabemos bem conceptualizar.

Confesso que, a fundo, não sei como o meu pai lida com este facto. Eu leio. Ouço álbuns. Vejo cidades, quadros, esculturas. Vejo filmes. A arte serve-me numa função dupla: se nela procuro a resposta para questões que às vezes nem sei quais são, é ela também o meu escape, o meu refúgio, para conviver com o marasmo e com o facto de não conseguir responder a tudo.

O humor é, provavelmente, a arte que melhor lida com esta dialética, a de procurar as respostas e chorar - ou rir para não chorar - por nunca as encontrar. Os Monty Python são a quinta-essência disto tudo. Nem vale a pena falar da sua importância cultural, dos desenvolvimentos que trouxeram ao humor, da influência. Tiveram tanta filosofia como Sartre e Camus. Do destino ao nihilismo, do epicurianismo à morte, da Caverna de Platão á lógica de Aristóteles, da felicidade ao sentido da vida. Está lá tudo, e parido de uma maneira genial que mais ninguém conseguiu emular. Aprendi – e aprendo – muito com eles.

Aos meus filhos, não deverei deixar muito. Se não ficar rico e famoso com a minha banda, deixarei os bens que a minha vida de contabilista me permitir, mais uma casita na aldeia, uns terrenos bons para não se fazer nada deles, e uma porradona de questões dúvidas existenciais, comichões intelectuais, e perguntas que eles nem saberão bem conceptualizar. Mas menos que as que o meu avô me deixou, porque ele nunca viu Monty Python.